Texto der
Irlan Simões, na coluna Futebol além da mercadoria
Basta
fazer uma rápida pesquisa pra entender por que o futebol nordestino, apesar de
possuir imensas torcidas e grandes jogadores, sempre esteve no segundo escalão
nacional. Dois fatos históricos trazem luz a essa discussão.
Ambos
estão ligados à inviabilização forçada dos laços entre os clubes da região.
Entre 1968 e 1970, o Torneio Norte-Nordeste agregava mais de vinte equipes. Em
1971, contudo, foi desfeito a pretexto do início da disputa do Campeonato
Brasileiro. O segundo momento é uma sequência de torneios regionais
bem-sucedidos, entre 1997 a 2002. O Campeonato do Nordeste era sucesso de
publico, reunindo torcidas acima da média de todas as demais competições
nacionais. Mas em 2003, a pressão de diversos setores da imprensa esportiva,
somada ao momento político que Ricardo Teixeira atravessava no comando da CBF,
modificou a estrutura do Campeonato Brasileiro (que passou a ser disputado pelo
sistema de “pontos corridos”) e fez o regional acabar novamente.
À
Confederação Brasileira de Futebol (CBF, ex-CBD), nunca interessou o
fortalecimento das equipes nordestinas. Os torneios regionais sempre foram o
espaço que os clubes da região acharam para crescer, já que eram preteridos de
diversas maneiras, em âmbito nacional. Em todos os casos, a confederação
interveio para tolher esse crescimento indesejado.
Vale
lembrar que a maior fonte de recursos dos clubes foi, por muitas décadas, a
renda de venda dos ingressos para os jogos. No Nordeste, eram muito comuns os
torneios “caça-níqueis”, para os quais convidavam-se equipes de prestígio de
outros estados: nos anos 1960 e 70, Santos e Botafogo, principalmente. No curto
período em que existiram, os torneios regionais conquistaram tanto prestígio
que eliminaram a necessidade destes artifícios. Mesmo sem o reconhecimento da
CBD o torneio transnordestino José Américo de Almeida Filho foi realizado
outras três vezes, após o início do “Brasileirão”. Em 1976, ultima edição,
contou com a presença da maioria dos campeões estaduais.
De pouco
acreditado a surpresa desagradável
A relação
CBD x Clubes Nordestinos era tão mascarada, que a forma de agradar os clubes da
região, juntamente com os clubes do Norte (principalmente os paraenses, com
grande expressão), foi promover o Campeonato Nacional Norte-Nordeste, em 1971.
O torneio tinha a intenção de selecionar os representantes da região para a
final do Campeonato Brasileiro… da Segunda Divisão.
Outro
caso de “redução dos danos sofridos” pelos clubes nordestinos, devido ao fim
dos torneios regionais, foi a Taça Almir de Albuquerque, oferecida pela CBD ao
melhor retrospecto dentre os clubes do Norte e Nordeste, durante a primeira
fase do Campeonato Brasileiro de 1973. Teve como vencedor o América de Natal,
25º colocado num torneio com 40 equipes. Dentre os concorrentes dessa “taça”, o
Vitória (BA) foi o melhor da região, conquistando a modesta 10ª colocação
geral.
O mesmo
tipo de “compensação” se deu no advento do torneio nacional por pontos
corridos, em 2003. A CBF “sugeriu” aos clubes que extinguissem os torneios
regionais para dar espaço a seu novo calendário. Sucumbiu na investida o único
destes campeonatos que realmente tinha sucesso: o “Nordestão”. Havia voltado em
1997, após muito esforço dos clubes nordestinos, e era disputado em paralelo a
outros torneios regionais, como o Rio-SP, o Sul-Minas e o do Norte.
O argumento
da falta de um calendário que permita estas competições sempre foi capenga. Os
grandes torneios de 1968-70 aconteciam paralelos aos Zonais Norte-Nordeste, que
classificavam os clubes da região para as fases finais da Taça Brasil. Nas
mesmas temporadas aconteciam campeonatos estaduais de dois ou mais turnos. Mas
a CBF amparou-se no falso argumento e exigiu o fim do torneio, mesmo que isso
significasse descumprimento de contrato que garantia sua realização por alguns
anos.
Além
disso, os campeonatos estaduais ocupam hoje quase quatro meses do ano. Poderiam
ser facilmente ser reduzidos, abrindo espaço para um campeonato nordestino. O
problema é que certas federações, principalmente a pernambucana, têm receio de
perder poder e controle sobre o futebol. Afinal, reúne três clubes de grande
porte. Para compreender o papel que cumpre Carlos Alberto Gomes de Oliveira,
presidente da entidade, vale ler uma entrevista que concedeu à
Tribuna do Norte (http://tribunadonorte.com.br/noticia/quem-esta-nos-matando-somos-nos/168478)
Mais
recentemente, alguns clubes voltaram a se empenhar pelo resgate do Campeonato
do Nordeste. Mas o fazem de forma atropelada e desorganizada e enfrentam o
boicote de federações temerosas de entrar em atritos com a poderosa CBF.
Em 2010,
quanto ressurgiu aos trancos e barrancos, o torneio nordestino foi desprezado
pelos clubes pernambucanos. O Sport nem ao menos participou. A atitude
estendeu-se à Bahia, cujos clubes disputaram com elencos de atletas abaixo de
vinte anos (“sub-20”). Tudo poderia ter sido diferente, se as federações e
clubes nordestinos ousassem, por exemplo, cobrar a dívida que a CBF contraiu
com a Liga do Nordeste em 2003, por conta da quebra do contrato. Ao invés
disso, abriram mão dos recursos a que tinham direito e não reuniram nem
organização, nem coesão política para promover o torneio regional de forma
eficiente.
Uma
estrutura de dependência
Esta
sequência de insucessos tem raiz em fatores estruturais. Alguns dos maiores
clubes nordestinos – Bahia, Vitória (BA) e Sport (PE) atrelaram-se ao chamado
Clube dos 13, fortemente controlado pelo eixo Rio-São Paulo. Tornaram-se
reféns: sem disposição de se articular de modo autônomo, seguem uma lógica
segundo a qual é melhor participar do grupo de modo submisso (o que lhes dá
acesso a certas verbas) do que estar ausentes (como os pernambucanos Náutico e
Santa Cruz). Ao paulistas e cariocas do Clube dos 13, obviamente não interessa
o fortalecimento dos nordestinos. Já basta dividir influência e poder com mineiros
e gaúchos.
Com o
afastamento de Ricardo Teixeira na CBF, abriu-se um espaço de barganha e de
disputa política – mas isso apenas comprovou a fraqueza dos clubes “fora do
eixo”. Os dos nordeste mostraram-se inaptos a qualquer influência, mesmo no
jogo sujo da politicagem cartoleira. Para acalmar qualquer possível rebeldia,
José Maria Marín, o substituto de Teixeira, assinou documento que reconhece a
Copa do Nordeste, mesmo que a Liga da região ainda não tenha consenso sobre
praticamente nada referente ao futuro torneio.
Se a
ideia for fortalecer o futebol, não faltarão alternativas. Elas incluem: 1)
acabar, ou ao menos reduzir os estaduais deficitários, de vergonhosa qualidade
e extensão injustificada; 2) substituí-los por um torneio regionalizado, resgatando
as rivalidades inter-estaduais (baianos x pernambucanos, paraibanos x
pernambucanos, alagoanos x sergipanos, cearenses x potiguares).
A mudança
trocaria campeonatos estaduais desinteressantes e de baixíssimo nível técnico
por uma competição capaz de inflamar torcidas, de colocar em confronto (e,
portanto, estimular) equipes que têm importantes qualidades. As vantagens são
claras. Mas o interesse pessoal dos cartolas nordestinos, exacerbado e ilógico,
dificilmente permitirá o ressurgimento de um grande torneio esportivo regional.
Repare
que a rearticulação do Nordeste seria lógica até mesmo se você tirar os
interesses esportivos do horizonte. Há sete federações estaduais no Nordeste,
da Bahia ao Ceará (já que Maranhão e Piauí articulam-se com a região Norte). Na
eleição para presidência da CBF, votam os presidentes das federações. O
Nordeste é o segundo maior “colégio eleitoral” do país – atrás apenas do
próprio Norte, ainda mais desassistido.
Se a
região é tão grande, por que não se fortalece em torno de uma unidade, como a
Liga do Nordeste? Ela teria enorme capacidade de barganha na CBF. Caso essa
pergunta ainda lhe pareça sem respostas, peça esclarecimentos a Virgílio
Elísio, ex-presidente (até 2008) da Federação Baiana de Futebol. Virgílio é
amigo pessoal de Ricardo Teixeira e atual Diretor de Competições da CBF. Sua
presença e comportamento no posto encarnam a posição subalterna a que o
Nordeste ainda se conforma
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